Page 110 - JOÃO (Entrevistado por Douglas Machado)
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O senhor falou do Seu Joca, de Dona Francisquinha, mas na filmagem, dentro do seu
                               gabinete, observei também uma fotografia da tia Lica. O senhor poderia falar um pouco
                               sobre ela?
                               Tia Lica... É uma coisa impressionante quando na vida da gente alguém faz algo por nós.
                               A tia Lica era uma irmã de meu pai. Não era uma pessoa rica, financeiramente, mas era
                               de uma riqueza muito grande de bondade, entendeu? Tia Lica era aquela pessoa que o

                               que tinha era para fazer o bem aos outros. Ela talvez não lembrasse tanto dela quanto se
                               lembrava dos outros. Por mais que eu diga que não tive juventude, houve determinadas
                               horas em que a pessoa fazia suas peripécias. Então, tia Lica tem um filho por nome de

                               Cassimiro, da minha idade. E nós éramos muito ligados. Uma pessoa maravilhosa, um
                               homem correto, sério, homem bom. “Bom” na expressão da palavra. E tia Lica, a sua
                               mãe, eu passei uma temporada lá na casa dela. E recebi tudo que a gente gostaria de
                               receber. Um tratamento de mãe dedicada. Às vezes, uma mãe não pode ser tão dedicada
                               porque tem tantos filhos que não dá nem tempo. Você até perguntou se meu pai era

                               carinhoso, ele não tinha nem tempo de fazer carinhos. Ele fazia carinho nas ações. E
                               tia Lica era aquela pessoa que deixava a gente feliz e que a gente não pode esquecer em
                               tempo nenhum. Então, eu fui para Uiraúna e fiquei um tempo ali na casa de tia Lica. E

                               eu com aquele amigo inseparável que era Cassimiro, a gente se sentia muito bem. Teve
                               uma época que eu pensei em ficar cuidando da fazendinha do meu pai. E para isso eu
                               me preparei com cavalos, animais suficientes, os arreios de animal tudo bem cuidado
                               e um terno de couro. Esse aí era indispensável! Tudo isso preparado porque a luta de
                               gado sem terno de couro fica muito caro, não é? Caro mesmo. Porque não tem roupa

                               que chegue. Rasga mesmo e pode haver ferimentos no corpo porque o mato é coisa
                               inconsequente, não é? Tem mato com espinho, mato sem espinho e a pessoa que luta, o
                               vaqueiro, tem que ser uma pessoa destemida mesmo. Não ter medo, não é? Parece que,

                               quando ele veste aquela roupa de couro, e tem um cavalo corajoso e bom também, aí
                               tem que aparecer coragem mesmo e fazer aquilo que pensou em fazer. Então, isso aí eu
                               fiz. Enfrentamos essa luta de gado por bastante tempo e o Cassimiro sempre ao lado.
                               Juntava o gado da minha tia e do meu pai. Uma vida muito boa, foi um período muito
                               bom. Tinha hora que eu pensava em ficar mesmo. Tomar conta da fazenda. Mas depois

                               o destino determinou outros afazeres.









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